CPTC
CURITIBA
REFERÊNCIAS
(...) Por que agora o espectador é jogado para o centro? Por que justamente no período entreguerras, do século passado, recorda-se que do lugar do espectador (theatron) deriva o teatro e que de sua atividade (theaomai – olhar simultaneamente com os olhos e a mente) nasceram os termos teatro e teoria? Ainda que nos três tipos de teatro o modo de atuação seja decisivo – encarnação artaudiana, non-acting steiniano ou o gestus brechtiano –, a arte do ator só é determinante por aquilo que em sua atuação contribui para uma reflexão sobre a relação entre teatralidade e espetacular.
Esses paradigmas de um teatro do futuro foram formulados numa época em que se estabeleceu a sociedade do espetáculo (Guy Debord), que se diferencia em espetacular concentrado, nas sociedades totalitárias e ditatoriais, e em espetacular difuso, nas sociedades post-industriais. (...) Existe, assim, uma diferença entre espetáculo e teatro ou performance. O espetáculo se dá como “natureza”, como “realidade” e, ao mesmo tempo, se torna irreal como imagem suscetível de repetir-se ao infinito. O espetáculo não é consciente de sua teatralidade; o teatro, por outro lado, procede dela conscientemente por seu pacto simbólico constitutivo do “como se”. Instaura um diálogo com o ausente da imagem, uma dialética entre presença e ausência.
Notas sobre a teatralidade e o teatro recente na Alemanha / Texto originalmente escrito para a revista argentina Teatro al Sur.
ESQUEMAS TEÓRICOS
E PRÁTICOS
Según la teórica alemana, el giro performativo implica sobre todo un cambio fundamental en la experiencia estética desde lo semiótico hacia
lo performativo. El sentido de la obra no surge en la dialéctica hermenéutica entre significante y significado, sino en la creación de una vivencia para el espectador. Lo fundamental consiste en la constitución de un acontecimiento, de una experiencia compartida por creador y receptor, frente a la lectura o interpretación del objeto estético propias del paradigma anterior. Otra de las características que definen este giro se basa en la desaparición del objeto de arte como una entidad inalterable a la que el receptor puede volver a voluntad para comprobar sus hipótesis y encontrar nuevos significados; en su lugar surge una nueva situación estética en la que los anteriores polos de sujeto y objeto no se distinguen. Esta diferenciación, que resulta fundamental para las estéticas semiótica y hermenéutica, se diluye para dar paso a un acontecimiento procesual que envuelve al público en su creación; la dicotomía sujeto-objeto entra así en un comportamiento oscilante en el que ninguna de ambas posiciones se puede definir con precisión. Por último, el proceso de recepción se caracteriza por reacciones ya no sólo intelectuales, sino también fisiológicas, afectivas, volitivas, energéticas e incluso motoras: «No se trata de entender la performance, sino de experimentarla y de gestionar las experiencias que en el momento de la performance no se dejan controlar por la reflexión»2 (Fischer-Lichte, 2004: 19). De esta manera el espectador se encuentra obligado a abandonar su estatus pasivo de mero observador para verse arrastrado y sumergido en el acontecimiento de la obra.
http://e-spacio.uned.es/fez/eserv/bibliuned:signa-2010-19-3080/Documento.pdf
© UNED. Revista Signa 19 (2010), págs.143-158 145 2 Traducción mía. VICTORIA PÉREZ ROYO; EL GIRO PERFORMATIVO DE LA IMAGEN (p.145)
Vídeo, tela interativa, multimidia, Internet, realidade virtual: a interatividade nos ameaça por toda a parte. Por tudo, mistura-se o que era separado; por tudo, a distância é abolida; entre os sexos, entre os pólos opostos, entre o
palco e a platéia, entre os protagonistas da ação, entre o sujeito e o objeto, entre o real e seu duplo. Essa confusão dos termos e essa colisão dos pólos fazem com que em mais nenhum lugar haja a possibilidade do juízo de valor: nem em arte, nem em moral nem em política. (BAUDRILLHARD, 2002, p. 129).
Pagina 7: https://www.revistas.ufg.br/interacao/article/viewFile/28762/18924
in.: Irene Jeanete Lemos GILberto;
"As tecnologiAs digitais na fronteira do conhecimento: A inter-relação educação- cultura no ensino superior"
(...)
Somente na estrita separação entre o palco e a sala é que o espectador é um ator completo. Tudo porém, contribui, na atualidade, para a abolição deste corte: a imersão do espectador torna-se convivial, interativa. Apogeu ou fim do espectador? Quando todos se convertem em atores, não há mais ação, mais cena. É a morte do espectador. Fim da ilusão estética.
Pagina 06:
Originais em Francês: http://www.liberation.fr/tribune/1996/05/06/ecran-total_172527 (4°parágrafo)
1
TEATRALIDADES
Relações entre formas teatrais, plásticas e performativas.
2
TRANSGRESSÕES
Morais, dramatúrgicas, formais, ideológicas...
3
Como elaborar conexões entre os elementos da cena? De que forma se relacionar com o público?
DISPOSITIVOS
O eixo da pesquisa do CPTC propõe três camadas de análise e estudo. Pretendemos ter, para cada assunto tratado, uma referência teórica, uma referência artística e relações destas referências com as noções de teatralidades, transgressões e dispositivos.
Artistas e grupos referências:
Teatro de los Andes, La fura dels baus, Pina Bausch, Romeo Castellucci, Frank Castorf, 2600 couverts, Fuerzabruta, Punch and Drunk, Forced Entertainnement, Jan Fabre, Rodrigo Garcia, Groupov, Benoît Lambert, Constanza Macras, Jean-charles massera (auteur), René Pollesch, She She Pop, Rimini Protokoll, Falk Richter, Arpad Schilling, Gob Squad, Giselle Vienne.
Marina Abramovic, Ben, Joseph Beuys, Chris Burden, Christo, Guillaume Desanges, Ivo Dimchev, Esther Ferrer, Fluxus, Gutai, Michel Journiac, Illia Kabakov, Eduardo Kac, Yves Klein, Hélio Oiticica, Orlan, Black Market International, Maciunas, Gina Pane, Carolee Schneemann, Tino Seghal...
Obs.: os artistas que atuam no Brasil e nas Américas poderão ser incluídos posteriormente.
O ato performativo se inscreveria assim
contra a teatralidade que cria sistemas, do sentido e que remete à memória. Lá onde a teatralidade está mais ligada ao drama, à estrutura narrativa, à ficção e à ilusão cênica que a distancia do real, a performatividade (e o teatro performativo) insiste mais no aspecto lúdico do discurso sob suas múltiplas formas – (visuais ou verbais: as do perfromer, do texto, das imagens ou das coisas). Ela os faz dialogar em conjunto, completarem-se e se contradizerem ao mesmo tempo, como nos espetáculos de A. Platel ou nos de Gómez Pena e Coco Fusco. Mas é realmente possível escapar de toda a referencialidade e, assim, à representação? A questão permanece aberta.
Pagina 207 (Revista Sala Preta - USP)
www.revistas.usp.br/salapreta/article/download/57370/60352 (baixar em PDF)
O teatro está farto de mensagens. Nós estamos fartos de mensagens. Aquilo que o teatro nos proporciona, ou deve proporcionar, são experiências que, de certa forma, levem o espectador a reflectir sobre a própria experiência de ir ao teatro. Para que fui solicitado? Porque me irritei? Porque é que o meu coração estava a bater tão depressa? Porque me arrepiei? Que havia no espectáculo que não me deixou igual? Isto tem uma dimensão política que começa com o acto de percepção. Ou seja, não permitir que o espectador sinta apenas aquilo a que já está habituado a sentir, seja pela realidade ou qualquer convenção teatral. E é isso que eu chamo de ritual performático. Os antropólogos chamam-lhe eliminal space, in-between space. http://omelhoranjo.blogspot.com.br/2006/11/o-olhar-crtico-erika-fisher-lichte.html
a. É um conjunto heterogêneo, linguístico e não linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título: discursos, instituições,
edificações, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas etc. O dispositivo em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses
elementos.
b. O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre numa relação de poder.
c. como tal, resulta do cruzamento de relações de poder e de relações de saber. (AGAMBEN, 2009, p. 29, grifos nossos) 3) É algo de geral (um reseau, uma "rede") porque inclui em si a episteme, que para Foucault é aquilo que em uma certa sociedade permite distinguir o que é aceito como um enunciado científico daquilo que não é científico.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/download/12576/11743 (Baixar diretamente em PDF)
A teatralidade e o teatro
Espetáculo do real ou realidade do espetáculo?
Helga Finter
O Giro Performativo
Erika Fischer-Lichte
(Trechos selecionados)
Trechos de Tela Total
Jean Baudrillard
O que é um dispositivo?
Giorgio Agamben
Entrevista com
Erika Fischer-Lichte
O Olhar Crítico: Franz Anton Cramer, crítico de dança e ensaísta
O Teatral da Performance – M. Fried declarou em 1968, "o sucesso, e até mesmo a sobrevivência das artes, passou a depender cada vez mais das suas habilidades em derrotar/contornar o teatro", e acrescentou um pouco mais tarde: "A arte se degenera quando ela se aproxima do teatro". Pode-se perguntar sobre as razões para esta desconfiança das artes, entenda-se, das artes plásticas em relação ao teatro. Por que esta preocupação? Por que esta recusa? A desconfiança de M. Fried em relaçao ao teatro inclui a negaçao de certos conceitos fundamentais: primeiro o de teatralidade (a performance não deve apelar para o teatro, caso contrário, ela cai no exagero, na encenação, no falso); em seguida da interpretaçao, (o performer não deve interpretar, senao, ele se acomoda em uma mentira, pois, ele não é mais ele mesmo. Mas, interpretar envolve necessariamente se tornar um outro estando à escuta deste outro em-si); e finalmente o de representação, um conceito fundamental aqui, na medida em que a performance desde as suas origens, que já se tornaram distantes, enfatizava no aspecto da "presença" de toda manisfestaçao. O tempo flui realmente e os corpos são transformados de forma irrevogável.
Original em Francês: http://documentslide.com/documents/la-perfor.html
Ver mais em português: http://livrozilla.com/doc/877315/leandro-geraldo-da-silva-ac%C3%A1cio-o-teatro-performativo--a
Para Erika Fischer-Lichte, pensadora alemã que propõe uma teoria da performatividade, essa virada performática na cultura européia não ocorre apenas com a cultura da performance dos anos 60 e 70, com a eclosão dos happenings e surgimento da arte da performance, mas já tem início no começo do século XX. Nesta época estabelecem-se novas bases para o trabalho de investigação das manifestações rituais e das Ciências do Teatro, propondo-se “uma inversão das posições dentro da hierarquia: do mito para o ritual, do texto literário para a apresentação teatral” (FISCHER-LICHTE, 2004, p. 45) [3]. De acordo com esta fundamentação, considera-se como manifestação primordial o ritual, sendo teatro e texto posteriores a ele. O impacto desta nova orientação não deixa de ser relevante, pois ressalta a importância dos rituais, especialmente para os gêneros performáticos. Por sua vez, a questão do ritual desperta um interesse pela questão da corporeidade, já que o corpo é o instrumento primordial para as manifestações rituais. O ritual, forma de expressão que alia num único fazer manifestações de várias linguagens, é provavelmente o exemplo mais antigo de arte performática.
anppom.com.br/revista/index.php/opus/article/viewFile/297/274
Performance e Criacão - Wânia Storolli (p. 121)
Enquanto as disciplinas almejam a docilização dos corpos e dos seres, promovendo assim formas de subjetivação mais “sólidas” dos sujeitos, o controle traz a ideia de flexibilidade, visto que seu foco não é necessariamente a punição do transgressor, mas o registro de informações em bancos de dados para que possam ser fiscalizadas, conferidas e aproveitadas em um momento oportuno.
Isto não significa dizer que as disciplinas ou os modelos desapareceram, mas que, nas relações contemporâneas, eles não são delimitados somente por instituições reguladoras fixas; agora eles são criados, disseminados e construídos por várias esferas do campo social. Este processo ocorre de maneira continuada através dos ideais impostos pela moda, redes sociais, marketing das empresas, etc. Não obstante, no capitalismo contemporâneo, até mesmo as transgressões aos modelos não são necessariamente punidas, mas logo assimiladas, criando assim novos produtos, públicos e serviços que são capitalizados e rapidamente associados ao ideal do controle.
(Pagina 345)
Por se desprender da ideia de pura representação de um mundo, a evidenciação da teatralidade e da performatividade contribui para a materialização deste pensamento. O jogo cênico passa a suprimir as respostas significativas diretas para o espectador, utiliza os dispositivos de maneira exposta e visa não os subjugar a uma interpretação determinada. Ao fazer isto, incorpora assumidamente o espectador como um dos construtores da obra, quer seja por meio de uma participação ativa ou apenas através da observação, obrigando-o a organizar, a sua maneira, a cena que agora está impactada, significando a performatividade dos atores que, ao ser evidenciada, perde uma boa parcela de seu caráter representativo.
(P.347)
http://revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/viewFile/8747/6496

ESTUDANDO ARTE:
A performance ou a recusa do teatro
Josette Féral
Sobre o pensamento de
Erika Fischer-Lichte
por Wânia Storolli (USP)
Em busca dos choques estéticos: a influência do controle na anestesia afetiva do espectador - de Henrique Bezerra de Souza
e José Ronaldo Faleiro
APRENDIZAGENS:
Por uma poética da performatividade:
o teatro performativo
Josette Féral
Ação Performática: sintoma de uma crise política (Clarisse Gurgel)
O conceito é fruto da articulação entre a teoria da ação e a do teatro de performance. Chamamos de performática aquela ação que, tal como no teatro, apresenta-se como “comportamento duplamente restaurado”(SCHECHNER, p.34-35): comportamentos marcados, emoldurados, ou acentuados. Denominá-la assim não significa atribuir a ela qualquer grau de performatividade. Veremos que a ação performática esconde um sujeito político que não obedece às seis regras básicas do ato de fala descritos por John Austin (1975, p.12), em especial no que diz respeito à necessidade de as pessoas e as circunstâncias serem apropriados para o invocação do procedimento específico; os pensamentos ou sentimentos serem de fato verdadeiros por parte de quem os invoca; e o procedimento ser de fato subsequente à sua invocação.
Ao contrário, a ação performática é uma ação de um sujeito que não se adequa a seu conteúdo e forma, sem desdobramentos consequentes e de fundamento ideológico não reivindicado abertamente por seus atores. Ela é uma ação efêmera, concentrada no tempo presente, com uso extraordinário do espaço e simuladora de radicalidade. Foi o conceito por nós forjado para definir uma maneira de fazer política em que o que se busca é dar visibilidade ao sujeito político que se encontra isolado e que entende este isolamento como fruto do estigma de sua própria forma de estruturação em partido. Nossa hipótese, pois, é que os partidos revolucionários estariam priorizando a metodologia de realização de eventos, nos marcos da ação performática, como substitutivo do trabalho militante e continuado em suas bases sociais. Acreditamos que um dos fundamentos para o fenômeno da ação performática encontra-se na cisão histórica entre espontaneidade e organização. Razão pela qual as ações performáticas se assemelham à ação direta, em sua aparência, de tal modo que simulem radicalidade e vitalidade e, assim, entrem nas pautas midiáticas, sem que necessariamente representem ameaça real à ordem.
Hans Ulrich Gumbrecht: “Todo o passado de que conseguimos lembrar está presente quase que de maneira física em nosso presente”
Hans Ulrich Gumbrecht, professor e pesquisador Stanford Universty, esteve no Brasil em setembro participando do XV Encontro da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada), onde ministrou o curso “A Estética: História, Função e Futuro”. Alemão radicado nos EUA desde os anos 1980, Gumbrecht é um dos intelectuais contemporâneos mais importantes, transitando entre várias áreas das humanidades: história, estudos literários, filosofia, filologia, estética. Influenciado pela obra de autores como Martin Heidegger, Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, Gumbrecht tem desenvolvido investigações sobre a experiência estética que se concentram no que ele denomina “materialidade comunicativa”. Isto pode ser definido como aquilo que, na experiência da leitura de um texto (principalmente o texto literário), está para além da interpretação, ou da “produção de sentido”.
Quando lemos um romance policial e conseguimos sentir a mesma aflição que a personagem que está sendo perseguida sente, ou quando ouvimos uma canção interpretada por Billie Holiday ou Elis Regina, e sentimos com mais intensidade o drama da letra, por conta do ritmo, dos tons, da cadência da voz, estamos nos relacionando com “camadas substanciais”, sendo afetados pela concretude
dessas obras. Estamos, em suma, produzindo presença, no sentido ontológico do termo, como concebeu Heidegger. O termo presença vem sendo utilizado por Gumbrecht para denominar o “não-hermenêutico”, aquilo que não está no campo da interpretação e do sentido. A mesma experiência de “produção de presença” pode ser obtida na contemplação de uma pintura e de uma fotografia antiga, ou na observação de uma dança, como o tango, ou ainda no lance de um futebolista. Poderíamos dizer que o que Gumbrecht tem procurado, talvez, é delinear uma “filosofia da presença”, encontrar o seu locus. Em sua passagem pelo Brasil, Gumbrecht falou disso e de muito mais ao Estado da Arte.
Que impacto o diálogo e a convivência com intelectuais brasileiros ligados ao campo dos estudos literários, como Luiz Costa Lima e João Cezar de Castro Rocha, tem produzido em suas obras?
Depois dos Estados Unidos, onde vivo e trabalho há 27 anos, o Brasil e a Alemanha foram os dois mais importantes contextos para meu trabalho — desde que fui professor visitante pela primeira vez aqui em 1977 (!), ainda no tempo da ditadura militar. De fato, não há um único projeto importante (para mim) em meu pensamento que eu não tenha experimentado e desenvolvido com alunos e colegas brasileiros, muitas vezes em seu estado mais inicial.
É possível afirmar que um torcedor do Clube de Regatas do Flamengo, que nunca tenha ouvido falar em “materialidade comunicativa”, mas que tenha ido ao menos uma vez assistir a
um clássico contra o Fluminense, no estádio do Maracanã, sabe tão bem o que quer dizer “produção de presença” quanto um intelectual que tenha lido todas as obras de Hans Ulrich Gumbrecht?
Esse fã normalmente não teria termos acadêmicos para descrever por que ele sente tanta atração pela atmosfera do estádio a ponto de comprar ingressos tão caros. Porém, ele sabe, de um jeito diferente, que o “clima” (“Stimmung”) de um estádio cheio é existencialmente importante para ele. Isso não é diferente em nada de pessoas que vão a concertos de música clássica. Elas gostam do que ouvem — e ser capaz de explicar por que gostam não melhora e experiência, nem a torna mais intensa.
Em sua obra Produção de Presença: o que o Sentido não Consegue Transmitir (Editora Contraponto), você afirma que a experiência estética nos confrontará sempre com a tensão entre presença e sentido. Os efeitos dessa tensão, ou oscilação, contudo, são efêmeros. A
experiência estética teria assim um “caráter epifânico”, e, enquanto epifania, “sempre indica
a emergência de uma substância surgida do nada”. Segundo sua concepção, há nisso um elemento de violência. Há aqui certa proximidade com a tese de René Girard sobre a catarse que vem à tona com a morte do bode expiatório, cujas sucessivas repetições rituais, desde tempos imemoriais, teriam desembocado nas várias formas de produzir efeito estético, como a dança, o teatro, os esportes, a literatura, etc. Estes momentos de epifania não seriam lampejos do “assassinato fundador da cultura”?
Mesmo admirando o trabalho de René Girard, meu falecido colega em Stanford, acho que sua
intuição sobre a violência e a minha vêm de ângulos diferentes. Girard fala de uma agressão motivada por uma frustração (principalmente coletiva), baseada na impossibilidade de igualar-se a alguém que se admira. Aquilo que descrevo é ainda mais básico. Se algum tipo de experiência estética supõe e provoca essa dimensão de “presença”, e se a presença inevitavelmente convoca corpos em espaços, então a experiência estética sempre terá um potencial de violência — que defino como “a ocupação do espaço com corpos contra a resistência de outros corpos”, mas trata-se de um potencial, e não, como no caso de Girard, algo que acontece naturalmente. Todos sabemos que, às vezes, os espectadores de uma bela performance teatral são levados à violência física em seu entusiasmo por aquilo que viram — isso é sempre possível, é uma reação potencial, mas de jeito nenhum necessária.
Ainda na esteira da pergunta anterior: a questão da violência “costura” as “quatro oscilações polares” apontadas por você no livro Nosso Amplo Presente: o Tempo e a Cultura Contemporânea (Editora UNESP). Qual será o principal obstáculo que as futuras gerações de historiadores terão ao analisar essas oscilações? Até que ponto a historiografia está de fato ameaçada pela lógica das funções de conservação e coleção por tecnologias de comunicação eletrônica?
Aquilo a que você se refere é minha hipótese de que nossa relação com o passado (a relação da cultura global) está passando por uma profunda mudança. Em parte por causa de tecnologias eletrônicas (pense nos primeiros documentos em filme da Primeira Guerra Mundial, por exemplo), todo o passado de que conseguimos lembrar está presente quase que de maneira física em nosso presente. Nesse sentido, seria bem fácil para o futuro (e para seus historiadores) tornar presente qualquer passado pelo qual se interessem. O problema pode ser que eles têm critérios de seleções — todo passado estará disponível, e nenhum passado será mais interessante do que outro.
Em sua obra, você procura fundamentar sua “pragmática histórica textual” buscando elementos da tradição da retórica em autores como Perelman e Olbrechts-Tyteca. Pois bem, esses autores, especificamente no § 29 da obra citada, falam de importância do efeito de “presença” para a técnica argumentativa, como forma de conquistar a “adesão do auditório”, mas reconhecem não se tratar de um conceito filosoficamente elaborado. Você acredita que, em dada medida, suas investigações sobre a “materialidade comunicativa” e sobre o efeito de “produção de presença” têm cumprido a necessidade de elaboração filosófica apontada pelos autores daquilo que ficou conhecido como “La Nouvelle Rhétorique”?
Mais uma vez uma pergunta brasileira, altamente sofisticada. Eu não conhecia a citação a que você se refere — mas, se entendo corretamente, então, talvez, meu trabalho das duas últimas décadas foi uma contribuição para essa “filosofia da presença” que Perelman e Olbrechts-Tyteca ainda não viram. A verdade, porém, é que aquilo que estou fazendo intelectualmente muito raramente é motivado ou provocado por razões ou acontecimentos intra-acadêmicos. Por exemplo: saber que eu simplesmente não consigo existir sem assistir a pelo menos um evento esportivo por semana foi uma motivação mais importante para meu trabalho (eu queria saber por quê) do que qualquer filosofia anterior, o que, é claro, não significa que eu não tenha uma gratidão profunda pelo legado do pensamento ocidental (e não apenas).
Estado da Arte - 04 Outubro 2016 | 16h36
Um filosofia da presença por Cláudio Ribeiro*